Sérgio Vasques, antigo secretário de Estado, alerta para a complexidade da taxa.
O adicional de solidariedade sobre o setor bancário, proposto pelo governo no Orçamento Suplementar, pode revelar-se de grande “complexidade” e o seu custo pode acabar por recair sobre os clientes, considera Sérgio Vasques, antigo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
“Independentemente dos méritos desta política e da bondade do objetivo, o facto é que a solução, do ponto de vista técnico, é de uma imensa complexidade”, afirma o professor de Direito Fiscal da Universidade Católica, em declarações ao Dinheiro Vivo, lembrando que a banca em Portugal “sofre quatro contribuições distintas”. E aponta, por exemplo, a contribuição sobre o setor bancário, criada em 2010, era então ele próprio responsável pela pasta dos Assuntos Fiscais.
“Quando arrancámos para a tributação da banca mediante contribuições especiais, em 2010, fizemo-lo por força do contexto que o país atravessava”, recorda, apontando “a necessidade de obter um esforço adicional porque havia a perceção, ao nível de toda a Europa, de que a banca devia contribuir para a cobertura do risco sistémico”, tendo surgindo nessa altura a ideia de uma nova taxa europeia sobre transações financeiras (FTT, na sigla inglesa).
O especialista em direito fiscal avisa que a complexidade nas diferentes contribuições da banca pode ainda agravar-se, caso venha a ser criado um imposto europeu sobre as transações financeiras, uma matéria que está a ser trabalhada desde que, em 2011, foi apresentada uma primeira proposta pela Comissão Europeia – que acabou por ficar pelo caminho, dada a resistência de vários Estados-membros.
Clientes pagam?
A proposta do governo passa agora pela criação de um adicional de solidariedade sobre o setor bancário, no valor de 0,02 pontos percentuais, sendo a receita consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, prevendo-se um encaixe que ronda os 33 milhões de euros.
A iniciativa teve, naturalmente, a oposição da banca, que considera que vem “pura e simplesmente sancionar os bancos”. O Executivo justifica compensação pela isenção de IVA aplicável à generalidade dos serviços e operações financeiras.
Na análise ao OES2020, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental alertou os deputados que devem esperar que, em resultado do lançamento do novo imposto, haja uma repercussão nas comissões e noutros encargos cobrados pelos bancos aos consumidores de serviços bancários. “Qualquer imposto tende a ser repercutido pelas empresas nos respetivos clientes. Esse risco existe, é evidente. O encarecimento dos serviços prestados pelas instituições financeiras é algo com que teremos de contar a partir do momento em que agravamos a carga fiscal sobre o setor”, frisa Sérgio Vasques, lamentando a falta de “dados sobre a carga efetiva que a banca suporta ou a suscetibilidade da repercussão das contribuições”.
As novas taxas europeias
Mas a discussão para a criação de taxas sobre o setor financeiro está também a acontecer na Europa e ganhou novo fôlego devido à crise pandémica e à necessidade de encontrar novas formas de financiamento do orçamento comunitário.
O “cenário mudou” face a 2011 e teve um novo impulso desde que a chanceler alemã Angela Merkel anunciou um compromisso para tentar fechar o projeto durante a presidência alemã da União Europeia, no segundo semestre deste ano. Mas Sérgio Vasques antecipa uma discussão difícil, podendo a decisão final cair na presidência portuguesa da UE, no primeiro semestre de 2021.
É uma ideia que foi sendo trabalhada por um grupo de Estados-membros ao abrigo do mecanismo de cooperação reforçada, depois de falhada a primeira tentativa, em 2011. Sérgio Vasques tem acompanhado a discussão e está a organizar três webinars com participação de especialistas de outros países para discutir o trabalho feito não só para as transações financeiras, mas também a tributação energética e dos serviços digitais. Um decorreu no dia 18 e outros dois estão agendados para os dias 25 de junho e 2 de julho.