Ana Filipa Morais Antunes é especialista em direito e professora na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e falou com o Expresso SER sobre os novos contenciosos jurídicos provocados pelo ESG. Lembra que os administradores das empresas podem ser responsabilizados e sugere formas de as empresas e dos gestores se protegerem
A sua empresa prometeu baixar as emissões de CO2 e não cumpriu? Deu informação falsa aos consumidores sobre a sustentabilidade do produto que vende? A atividade da empresa não respeita o Acordo de Paris? Então prepare-se porque são cada vez mais comuns os casos de clientes, investidores e até acionistas que estão a meter as empresas em tribunal e a pedir indemnizações milionárias por violação das regras do ESG (sigla inglesa para ambiente, responsabilidade social e governance).
Ana Filipa Morais Antunes é doutorada em Ciências Jurídicas e é consultora jurídica nesta área do contencioso, sobretudo contencioso preventivo, que tem tudo a ver com a sustentabilidade e este tema do ESG: “O meu perfil é de direito privado, sou uma pessoa que trabalha com contratos e com responsabilidade civil e em ligação estreita com as empresas. Sempre tive esta preocupação de não estar apenas na academia e ter a noção das práticas e das exigências colocadas no mercado”.
O Expresso SER conversou com a jurista que no mês passado organizou uma conferência em Lisboa sobre o tema “ESG, sustentabilidade empresarial e novos contenciosos”. “Queria fazer um evento que antecipasse aquilo que seriam as novas formas de litigância, sendo o meu perfil litigator, mais ligado à área do contencioso. Dar ao tema da sustentabilidade este acento tónico jurídico pareceu-me oportuno, porque se as empresas não se prepararem de forma adequada, seguramente num futuro próximo vamos ter um cenário muito rico de contenciosos. Não apenas contra os Estados, mas fundamentalmente contra as empresas e contra os membros da administração”.
Ana Filipa Morais Antunes adivinha que vai começar a haver muitos casos de litigância por causa do tema da sustentabilidade, casos esses que vão ter o respaldo das novas diretivas europeias que permitem a responsabilização direta dos administradores executivos das empresas. A jurista explica como é que os gestores se podem proteger a si próprios – por exemplo, invocando cláusulas como a do business judgment rule – e como é que as empresas podem blindar os seus contratos usando ferramentas como as clausulas éticas.
Quando se fala em contencioso nestes temas ESG, do que é que estamos a falar?
Muito do contencioso tem surgido associado ao contencioso climático, ao cumprimento das metas do Acordo de Paris e à transição para uma economia mais verde. As ONG pela Europa fora têm aproveitado para intentar ações contra os estados-membros por considerarem que estão a incumprir essas metas. Aqui os visados são os Estados, mas sabemos que os Estados têm um tempo de implementação das medidas diferente do das empresas. As empresas sabem que quanto mais tarde implementarem os planos de sustentabilidade, isto, ao final do dia, vai implicar que sejam menos sustentáveis do ponto de vista financeiro.
Quais os principais desafios jurídicos que as empresas enfrentam hoje na área da sustentabilidade?
As empresas cotadas e as que têm uma dimensão relevante já se estão a antecipar sobre aquilo que será o futuro em termos europeus, não estão à espera que seja direito vigente. As empresas e os agentes económicos têm de começar a atuar de forma diferenciada, ou seja, não centradas exclusivamente na maximização do valor a curto prazo, mas já integrando no processo decisório a ponderação de fatores que são cada vez mais importantes e que têm de estar presentes no próprio processo de decisão. E aí entram os fatores de preocupação com o meio ambiente, clima e com o social.
No social, as empresas têm de cumprir tudo aquilo que seja a proteção social dos trabalhadores, observar as matérias em termos de trabalho e remuneração dignos, não empregar mão de obra infantil e têm também de ter presente que qualquer contrato que venham a celebrar, qualquer parceria, qualquer projeto de investimento que possa vir a ter implicações em comunidades locais, mesmo que longínquas, não podem ser negligenciadas essas preocupações. Se não o fizerem agora, no processo decisório, vão, mais cedo ou mais tarde, poder ser responsabilizadas por essa desconsideração e pelos prejuízos causados a esses terceiros.
É importante começar a acautelar o interesse de terceiros.
Nós em direito temos muitas noções fechadas e uma delas é a de contrato. Em Portugal temos a ideia de que o contrato vincula as partes. O que significa que terceiros, que estão fora do perímetro do contrato, não têm direitos e obrigações. Aquilo que estas novas exigências vêm determinar é que os contratos passem a ter uma coisa que é estranhíssima para o jurista, que é uma dimensão externa que tem a ver com esta preocupação com o social.O contrato que é celebrado entre duas empresas, que não tem nada a ver com aquela comunidade nos Andes, vai poder ser sindicado e eventualmente considerado inválido, alvo de uma ação de responsabilidade civil se causar prejuízos relevantes.
Mas é quase impossível fazer um contrato com um diâmetro de responsabilidade ilimitada?
Quem tem responsabilidade pela decisão empresarial, em última análise quem está na administração, administradores executivos fundamentalmente, tem sempre uma posição de grande contacto com o risco empresarial. Uma má decisão tanto pode ser prejudicial para a empresa como para terceiros. Isto sempre foi assim. Mas para evitar que tenhamos entraves ao investimento e ao funcionamento normal da economia temos válvulas de escape no direito vigente que permitem que a administração diga: "Atenção, eu não posso ser responsabilizada por esta decisão, porque no momento do contrato era a decisão que se perspetivava como racional e adequada, feita a ponderação de todos os fatores”.
Hoje em dia, quando se firma um contrato, além do óbvio, convém ter sempre em conta o impacto em terceiros.
É isso mesmo. Estou convencida que doravante, se quisermos levar a sério estes novos parâmetros, isso implica também transcender muitas noções assumidas que eram estáticas. Seguramente que os contratos vão continuar a ser negociados entre aqueles dois sujeitos, mas têm de ter presente exatamente as implicações daquelas decisões, que é só deles, relativamente a terceiros.
“Aquilo que estas novas exigências vêm determinar é que os contratos passem a ter uma coisa que é estranhíssima para o jurista, que é uma dimensão externa.”
Uma das coisas que nesta altura preocupa as empresas são as diretivas europeias. Nesta área de ESG quais as diretivas que as empresas devem estar mais focadas?
Já temos uma diretiva que vem regular a obrigação de reporte de informação não financeira. Isto significa que todos os aspetos ambientais, sociais e as medidas de governance têm de ser observados.
Estamos num processo normativo, que ainda não chegou ao seu termo, da proposta de diretiva sobre o “dever de diligência empresarial”. Aquilo que a nova proposta de diretiva pretende, por um lado, evitar ou mitigar as chamadas práticas de concorrência desleal entre as empresas sediadas na Europa ou que tenham um volume de negócios na Europa, mesmo que sejam empresas de países terceiros. E, em segundo lugar, introduzir uma pauta valorativa comum que é caracterizada por exigências acrescidas de transparência e por exigências de agir com verdade. Esta ideia do fair dealing terá profundamente associada a lógica da sustentabilidade. Quem não atuar com verdade, com retidão, com estas preocupações integradas no campo ambiental e social pode vir a ser responsabilizado.
Quais é que são as consequências legais do incumprimento de uma diretiva, como por exemplo, essa do reporte de informação não financeira ou aquela do dever de diligência. Há coimas, há penalizações?
Em termos de consequências, a União Europeia tem trabalhado em dois cenários. Por um lado, uma ideia de responsabilidade contraordenacional. É com base nessa figura que podemos aplicar coimas às empresas que violem as obrigações que estejam cristalizadas em regulamentos ou em textos de diretivas já transpostas. Em segundo lugar, uma responsabilidade civil, e quando falamos de responsabilidade civil aquilo que se está a autorizar são pedidos de indemnização. Dirigidos contra a empresa, em primeira linha, e depois a dúvida que se coloca é a de saber se também vai ser possível, e sem prejuízo da responsabilidade da empresa, responsabilizar os membros da administração.
Como é que as empresas podem preparar-se para isso? Contratando advogados fora? Formando pessoas internamente?
Acho que a preparação e a transição para a chamada empresa do futuro vai depender muito da dimensão e do próprio setor de atividade. Há setores em que esta consciência está muito mais assumida. Se falarmos no oil & gas, do setor energético, automóvel, há já uma consciência muito mais maturada daquilo que está a acontecer e, portanto, há um working in progress.
Isso tem sido feito por duas vias essenciais: tem havido formação interna especializada nas diferentes áreas, não só o legal, mas todas as áreas que podem vir a ter uma exposição maior a estes temas. E tem havido uma preocupação grande, em colaboração com o conselho de administração, na definição daquilo que se possa considerar metas e parâmetros suscetíveis de se atingirem em cada ramo pela empresa. Para essa definição é importante que as empresas peçam o input dos acionistas, dos investidores, dos stakeholders. Porque se o investimento ficar comprometido, pelo facto de os acionistas e stakeholders não se identificarem com o modo de agir da empr
“Quem não atuar com verdade, com retidão, com estas preocupações integradas no campo ambiental e social pode vir a ser responsabilizado.”
De quem é a responsabilidade última e maior de práticas insustentáveis numa empresa? Da gestão, dos acionistas?
Diria sem dúvida que é da administração, até porque como resulta já da proposta de texto da diretiva, são os administradores que vão ter a responsabilidade de implementar na prática todas as obrigações que venham a ser impostas à empresa. A empresa é que está obrigada em primeira linha, mas, no fundo, claro que nada pode ser operacionalizado se a administração não agir e não fizer os planos e não os monitorizar, avaliar e os corrigir.
É provável que comecemos a assistir a contenciosos de outros stakeholders, como os clientes das empresas, quando elas não cumprem as normas de sustentabilidade?
Sim, é possível. Nós já temos um caso que foi iniciado em fevereiro de 2023, não em Portugal, mas no Reino Unido contra a Shell, em que essa ação está a ser intentada por acionistas com o apoio de investidores com o fundamento no facto de a administração da Shell – porque esta ação é contra a administração, – não ter demonstrado estar a implementar uma estratégia adequada para a transição energética em linha com o Acordo de Paris. Portanto, já temos um primeiro contencioso, que ainda não sabemos o que vai acontecer. Curiosamente já tínhamos tido outro caso que também envolveu a Shell, mas nos Países Baixos, mas aí foi intentado contra a própria empresa.
Que mecanismos têm os administradores para se proteger. Existem seguros?
Quando nós dizemos que a proposta de diretiva vai prever uma responsabilização direta dos administradores, isto não é um botão que se carregue e então começam a chover ações de responsabilidade civil com percentagem de sucesso garantido.
De qual diretiva é que está a falar?
Agora estava a falar da proposta de diretiva sobre o dever de diligência, que tem uma norma no artigo 25º que prevê a responsabilidade dos administradores para além da responsabilidade da empresa.
Mas para que uma pretensão indemnizatória tenha sucesso, tem de haver dano, um prejuízo, que tem de ser demonstrado. Não basta eu ter uma ideia mais teórica ou filosófica. Para além do dano, há uma prova que nem sempre é fácil que é a da ilicitude. Quando falamos em ilicitude é a própria conduta antijurídica, ou seja, contrária às regras ou princípios. Esta anti juridicidade tem de ser demonstrada e tem de haver culpa. Não existe em regra responsabilidade sem culpa. É preciso que haja uma atitude negligente ou dolosa. Depois, ainda é preciso provar o nexo de causalidade, ou seja, a ligação adequada entre o facto, que pode ser uma ação ou uma omissão, e o dano.
Retomando a ideia dos mecanismos que os administradores têm para se proteger.
Os administradores podem fazer uma coisa importante, que existe no nosso Código das Sociedades Comerciais, que é evocar a business judgment rule. Esta regra basicamente é uma cláusula de exclusão de responsabilidade em que o administrador vai dizer: "Eu tomei esta decisão, esta decisão causou prejuízos a terceiros, mas na altura em que tomei a decisão agi com critérios de racionalidade empresarial. Porque ao lado da alternativa que se equacionava, a minha decisão não foi uma má decisão. Isto é fundamental nas empresas e vai continuar a haver.
Os administradores, se documentarem as decisões com relatórios, com perícias que permitam evidenciar que houve uma preocupação com o aspeto social ou ambiental, então têm sempre esta válvula de segurança. É uma espécie de visto que eles acionam e dizem que não podem ser responsabilizados, porque eu de facto agi de acordo com critérios de responsabilidade empresarial. Isto já está na nossa lei, não precisamos de estar à espera da diretiva.
A nossa lei já permite isso?
Sim, e até lhe posso dizer que aquilo que vai vigorar, admitindo que a diretiva será aprovada nos termos em que tem sido divulgada, não vai dificultar nem facilitar aquilo que já acontece em Portugal. Por isso é que eu digo que esta proposta de diretiva pode ser muito importante para outros países, mas para nós seguramente não me parece que seja, porque nós já temos regras que permitem fazer o mesmo.
Portanto, em relação ao tal artigo 25º da nova diretiva, não há razões para os administradores se preocuparem muito?
Eu acho que a mensagem é outra. Os administradores têm de se preocupar muito porque com a exposição dada pelo futuro artigo 25º, sobre a eventual responsabilidade dos administradores, esta regra que nós temos no Código das Sociedades Comerciais vai ter outro protagonismo. Não vem trazer nada de novo, mas a circunstância de vir de uma diretiva pode de facto estimular novas litigâncias.
Onde é que existe esse enquadramento no Código das Sociedades Comerciais?
São três normas essencialmente. Nós temos uma norma primária, que é o artigo 64º, que trata dos deveres dos administradores. Esta norma tem uma alínea b) que vem impor um dever de lealdade aos administradores, dizendo que eles têm de ponderar "os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores". Veja como o nosso código é absolutamente inovador, e não foi uma alteração recente, isto já estava no texto da lei.
Esta regra, conjuga-se com outra, que é a norma do artigo 79º, e que permite que se possa demandar os administradores, se possa pedir uma indemnização, uma ação de responsabilidade civil por danos causados a terceiros.
Depois há uma terceira regra que eu falava há pouco, da tal válvula de segurança, que é um paraquedas que uma pessoa pode lançar para escapar à ação de responsabilidade civil, que é o business judgment rule que está no artigo 72º, número 2 [“A responsabilidade é excluída se alguma das pessoas referidas no número anterior provar que atuou em termos informados, livre de qualquer interesse pessoal e segundo critérios de racionalidade empresarial.”]
Há caso em Portugal casos de empresas processadas por temas relacionados com a sustentabilidade?
Nós em Portugal não temos ainda conhecimento de litigância em curso. Aliás, na conferência organizada pela Católica uma associação representativa de interesses ambientais disse que estará para breve a propositura de ações. Mas não nos disse contra quem e em que termos. O que sabemos é que no momento presente tem havido vários anúncios de intenção de litigância, mas que ainda não foram concretizados. Se vai demorar muito, não sei.
Depois há aqui dois cenários diferentes: podemos ter um interesse que é comum a várias pessoas, e aí falamos de uma coisa chamada ação popular, -- que permite agregar diferentes pessoas que se unificam pelo mesmo interesse, como o direito ao ambiente. Ou então temos ações que são intentadas por alguém que viu o seu direito individual diretamente afetado. São cenários distintos.
“Os administradores podem fazer uma coisa importante que existe no nosso Código das Sociedades Comerciais que é evocar a “business judgment rule". Esta regra, basicamente, é uma cláusula de exclusão de responsabilidade.”
Existe algum enquadramento legal em Portugal ou europeu para detetar e punir o greenwashing?
Nós não temos nenhum diploma que regule especificamente o greenwashing. Temos vários instrumentos dispersos que nos permitem chegar a uma ideia sobre o greenwashing e sobre as suas consequências. Falar de greenwashing implica ter presente que há um mau uso da informação. Ou porque os elementos para o mercado, para o consumidor, são falsos, ou porque são parciais, ou porque não são transparentes. O que é que isto determina? Determina que um padrão de consumo possa ser orientado nesta crença contra a bondade daquele produto ou setor de atividade.
Há um sem número de exemplos. O greenwashing começou por visar empresas do setor energético, do oil & gas, por informações e mensagens de neutralidade carbónica que na realidade não existiam. Ou então uma empresa que escreve no relatório que vai reduzir em 45% a emissão de CO2 e, afinal, não reduz. Ou então podemos mesmo ter situações de falsa rotulagem ecológica, os famosos produtos "eco" em que o consumidor decide pagar mais para ter um “package” ecológico. Hoje em dia já se assiste a um sem número de setores de atividade que têm vindo a ser visados pelas resoluções de greenwashing. Por exemplo, uma curiosa foi a da FIFA, a propósito da organização do Mundial do Qatar também por causa da alegada falsa mensagem de neutralidade carbónica. A Evian, no setor do plástico, temos várias referências aos veículos automóveis. Temos agora mais uma ação intentada contra a Volkswagen, de veículos que supostamente são verdes e que depois não o são.
Para concluir a questão legal sobre o greenwashing.
O greenwashing nasce muito ligado a um problema de tutela do consumidor. Porque ele está a fazer escolhas erradas, na base de informação falsa que lhe está a ser divulgada. Então, a própria Lei de Defesa do Consumidor (lei 24/96), que nós temos em Portugal, consagra o direito á informação que tem de ser clara, verdadeira e completa. Temos aí um primeiro instrumento que pode ser acionado para exigir uma responsabilidade pelos prejuízos causados por essas empresas. Depois temos um pacote imenso de legislação que tem vindo a ser aprovada, algumas com natureza de regulamento, outras como proposta de diretiva da União Europeia, o chamado “Green Deal”. Neste “Green Deal” há uma série de iniciativas -- que vêm regular a falsa rotulagem ecológica, vem regular quem é que pode proceder à chamada certificação das garantias de origem, -- e que também podem ser acionadas quando há estas alegações de greenwashing.
O grande tema, além do consumidor que pode ser prejudicado e ter direito à ação, é isto virar-se contra a própria empresa, porque isto acaba por ingerir naquilo que é o crédito da empresa, a própria confiança que gera junto dos seus clientes. Pode levar à flutuação de clientela, com a consequente redução de margem de lucro, margem de venda, de faturação, para além das ações de responsabilidade civil que é outro tema muito importante de risco empresarial.
Numa entrevista recente que deu falava nas cláusulas éticas. O que é isso?
As cláusulas éticas também podem ser designadas por cláusulas morais, e é uma designação sugestiva porque quando se fala do ESG, quando se fala da ética ao serviço do direito, aquilo que se quer é ter a ideia que nós vamos dirigir condutas. As cláusulas éticas vão buscar esta ideia, de que nós estamos a orientar comportamentos e estamos a faze-lo prevendo nos contratos, – nos contratos celebrados pela empresa com fornecedores, transportadores, com todos os parceiros integrados na cadeia de atividade, – previsões que tenham uma dupla função. Por um lado, de forma clara e objetiva, as ações que têm de ser desenvolvidas no âmbito daquela parceira comercial, em prol, por exemplo, do ambiente, assim como as proibições. Por exemplo, não é possível através desta parceira causar emissões poluentes acima de um determinado nível. Ou seja, estabelecer as métricas precisas daquele contrato e depois definir as consequências jurídicas. Eu vou ter no próprio contrato, de forma muito clara, aquilo que a empresa define como essencial para aquela parceira comercial, e o que é que pode fazer em caso de se violar aquelas métricas.
Essas cláusulas éticas já estão a ser usadas pelas empresas?
Isto é um admirável mundo novo. Estas cláusulas já existem, com outra designação. Por exemplo, cláusulas sobre direitos humanos, sobre emissões poluentes que já encontra em alguns contratos de fornecimento. O que se tem de fazer agora de diferente é passar a ideia de que não basta ter aquela declaração de intenções no contrato para ficarmos bem na fotografia. A ideia é que aquela cláusula para ser verdadeiramente importante tem não só de definir o que nós consideramos que é importante do ponto valorativo e das ações, mas as consequências. Algumas grandes empresas, do “magic circle”, já têm estas cláusulas, mas às vezes são mais estilísticas. Por exemplo, definir que o fornecedor tem de cumprir algumas regras, mas depois as consequências não vêm definidas.
Ou seja, é preciso que os contratos prevejam uma consequência.
De onde é que aparece esta discussão? Aparece porque a própria proposta de diretiva sobre o dever de diligência, no artigo 12º, define que serão aprovadas cláusulas tipo, cláusulas “standards” sobre o problema da sustentabilidade. A proposta de diretiva, na versão que foi divulgada em fevereiro de 2022, era isto que dizia. Agora há uma versão que ainda não é oficial, mas que terá resultado da votação que ocorreu a 25 de abril na Comissão de Assuntos Jurídicos, em que já se diz claramente que para além de se incluir essas cláusulas, têm de se definir de forma concreta as métricas, os padrões de sustentabilidade nos diferentes setores, e as consequências da inobservância. Ou seja, a própria União Europeia já está a robustecer estas cláusulas, – que são voluntárias, as empresas não são obrigadas a inclui-las nos contratos, mas são um instrumento que permite orientar e mitigar riscos de litigância. Porque se eu tiver uma cláusula daquelas no contrato, e algum parceiro da minha cadeia de atividade vier a infringir estas métricas, – se descobrir, por exemplo, que há mão de obra infantil, que há escravatura, – eu posso dizer que há um incumprimento contratual e ter o direito de pôr termo àquela parceria sem ter de pagar uma indemnização.
Esta diretiva do dever de diligência obriga as empresas a ter mais atenção à sua cadeia de valor, a jusante e a montante. Podemos dizer que estas cláusulas éticas são uma forma das empresas se protegerem contra comportamentos menos corretos dos seus fornecedores?
Acredito que sim. Aquilo que a proposta da diretiva quer é responsabilizar a empresa não só pela sua atividade primária desenvolvida, mas por toda aquela que tenha lugar ao longo da cadeia de atividade. Se eu tiver contratos robustecidos com cláusulas e métricas concretas, tenho uma forma de mitigar o risco. Por isso é que é um instrumento altamente aconselhável no futuro das empresas e que deve ser tomado em conta pelos advogados naquilo que hoje em dia se diz do “design” contratual, que é fazer contratos tailor made, para incluir previsões que sejam adequadas àquele parceiro, àquele setor de atividade e ao próprio parâmetro do ESG que esteja em causa. Se estiver a fazer uma atividade em que o risco maior é o risco climático, tenho de desenvolver de forma muito mais detalhada esse parâmetro. É o chamado contencioso preventivo, através disso estou a mitigar o risco de ser levado a tribunal pela violação dos parâmetros do ESG.