Em minha opinião, a introdução de ferramentas de IA nos tribunais é incontornável. Mas ainda não chegámos ao tempo em que o juiz-robô substitui a justiça humana pela decisão “judicial” artificial.
O problema das elevadas pendências e a inerente morosidade dos tribunais afeta o acesso dos cidadãos e das empresas à justiça, num mundo caraterizado pela crescente complexidade regulatória e dos problemas sociais.
Num encontro sobre o ecossistema de inovação e de tecnologia jurídicas, promovido pela AB2L e o Instituto de Conhecimento, foi referida uma das vias tecnológicas para descongestionar tribunais: a adoção de mecanismos pré-judiciais online de resolução de conflitos, tal como o portal Consumidor.gov.br, resultante da colaboração entre o Ministério da Justiça do Brasil e um conjunto de empresas. Experiências similares, envolvendo conciliação e mediação online, têm sido desenvolvidas em diferentes jurisdições.
Outras das vias para o descongestionamento é a rápida desconsideração de recursos inadmissíveis. No Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) conta com o sistema Victor, que permite filtrar o acesso a este tribunal, no caso dos recursos (extraordinários) de repercussão geral. Este filtro de IA permite reduzir a quatro minutos o tempo da decisão, num país marcado por muitos milhões de processos em atraso.
Esta é apenas uma das soluções tecnológicas adotadas neste país, já que muitas outras vieram a concretizar-se: entre elas, Rafa e VictorIA, também no STF, e Sócrates, no Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Dois terços dos tribunais brasileiros desenvolvem projetos de aplicação da IA, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, que criou o Grupo de Trabalho sobre Inteligência Artificial no Poder Judiciário.
Uma experiência tecnológica recente é a do Civil Resolution Tribunal, no Canadá (British Columbia), que, de forma online, utiliza mecanismos de negociação ou conciliação, e, se estes falharem, proporciona uma decisão do tribunal. Outros permitem explorar online as diferentes vias de resolução de disputas, e até, através de chatbots, prestar informação básica sobre o acesso à justiça (como na Áustria). Outros ainda orientam-se para a previsão de uma decisão, cujo sentido pode ser objeto de acordo entre as partes, como sugerido por Susskind.
O tema do descongestionamento dos tribunais, especialmente na justiça económica, foi há dias objeto de uma discussão multidisciplinar, onde se falou sobre o potencial da IA, em particular da IA generativa, para o efeito.
Em minha opinião, a introdução de ferramentas de IA nos tribunais é incontornável, apesar dos riscos de segurança da informação e dos limites que os sistemas atuais comportam. Em especial no contencioso de massas, bem como em processos de grande complexidade, a IA pode ajudar na automação de tarefas, na pesquisa jurídica, na organização da prova, na sumariação de documentos, na gestão dos processos, e até mesmo na sugestão de soluções ou do sentido da decisão.
É também desejável uma reforma do processo civil que o transporte para o século XXI, estruturado by design para o mundo digital em que vivemos. As tecnologias de realidade virtual e o metaverso podem vir a ganhar tração num novo paradigma.
Mas ainda não chegámos ao tempo em que o juiz-robô substitui a justiça humana pela decisão “judicial” artificial.