Não devem restar dúvidas de que o Orçamento está verdadeiramente ao serviço das pessoas, ousando um equilíbrio entre o rigor nas contas e a audácia da equidade social.
Em 1909, o inglês Lloyd George – à altura ainda ministro das Finanças, mas já aliado do jovem Winston Churchill – num discurso que ficou célebre, apresentou o Orçamento Popular (People’s Budget). Do seu discurso ressoa ainda a famosa passagem: “Propomo-nos fazer mais por meio do Orçamento. Arrecadamos dinheiro para prover aos males e aos sofrimentos que decorrem do desemprego. Arrecadamos dinheiro com a finalidade de auxiliar as nossas associações de socorros mútuos para prover aos doentes e às viúvas e aos órfãos”.
Este orçamento foi não só revolucionário à altura, como um ato de coragem política. Não obstante ter sido proposto por um governo liberal, ele foi pioneiro na introdução de programas de apoio social, tomados como socialistas. Polémico, este Orçamento foi rejeitado no ano em que foi proposto. Apenas um ano mais tarde foi aprovado, deixando um rasto de crise constitucional.
Foi a sua aprovação que alterou o paradigma de intervenção do Estado, abrindo caminho à concretização das primeiras políticas sociais, subsidiadas por via fiscal e que acabaram por ser a marca da intervenção pública na Europa do século XX.
Vem-me à memória esta ousadia na preparação da política do próximo Orçamento do Estado, ensombrada que está por inúmeros riscos, mas sobretudo, pelo reaparecimento da inflação, já fortemente sentida na queda acentuada do poder de compra das famílias. Como assinalou o Conselho das Finanças Públicas, “ao longo do ano de 2022 este efeito é de grande importância. No limite, para um consumidor que não viu os seus rendimentos atualizados, a perda de rendimento real é aproximadamente (…) de 7,7 por cento, ou seja, sensivelmente o mesmo que prescindir de um vencimento para quem aufere catorze meses de ordenado”.
Perante uma economia frágil como a nossa – por assentar em rendimentos que sofrem um corte significativo com a inflação – espera-se, nada mais nada menos, do que criatividade e ousadia, para que se consiga “fazer mais por meio do Orçamento”.
Sem prescindir de rigor nas contas públicas – e, já agora, da concretização da reforma do Enquadramento Orçamental que tem previstas, na lei, novidades para 2023, servindo este mesmo propósito –, exige-se do Governo a criação do espaço orçamental suficiente para que as políticas sociais que venham a ser necessárias possam ser assumidas como prioridade, para que ninguém fique para trás.
O debate político orçamental dos próximos meses deve, portanto, colocar a sua tónica – para variar – numa particular exigência nos instrumentos de programação orçamental que devem acompanhar o Orçamento de 2023. Deve exigir-se clareza quanto às despesas que é possível controlar nos próximos anos neste cenário de incerteza, e quanto à prioridade que deve ser dada às políticas sociais.
Não devem restar dúvidas de que o Orçamento está verdadeiramente ao serviço das pessoas, ousando um equilíbrio entre o rigor nas contas e a audácia da equidade social.
Maria d'Oliveira Martins, Professora da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa