O livro da SEDES recentemente publicado (Álvaro Beleza e Abel Mateus, coords., “Ambição: Duplicar o PIB em 20 Anos”, Almedina, 2022) retoma a proposta de extinção da jurisdição administrativa e fiscal, passando os correspondentes litígios a ser julgados por secções especializadas dos tribunais judiciais. Um corte drástico com soluções longamente consolidadas, recolhidas na Constituição vigente e partilhadas com a maioria dos ordenamentos europeus – motivos de sobra para uma fundamentação que não se vislumbra no texto.
Por regra sotto voce, invocam-se duas razões para a extinção da jurisdição: a) a economia de recursos, pela eliminação de estruturas redundantes; e b) as graves insuficiências no funcionamento dos tribunais administrativos (lato sensu).
Mas que estruturas redundantes poderiam ser eliminadas? Um dos problemas graves da jurisdição administrativa é a escassez e inadequação de equipamentos e instalações. Para desempenharem cabalmente as suas tarefas, os tribunais administrativos precisam, e muito, de mais e melhores espaços físicos. Mas será que, ao invés do que se crê no meio, os tribunais judiciais dispõem afinal de meios sobredimensionados? Ou teria sempre de existir um acréscimo de recursos materiais, com a inerente ampliação de gastos? A ser assim, como é que uma ampliação de gastos conduz a uma poupança?
Se por estruturas redundantes aludirmos aos recursos humanos, a questão torna-se ainda mais grave. Más políticas públicas conduziram os tribunais administrativos a uma insustentável carência de juízes. De nada vale fazer malabarismos estatísticos e dizer que o número de juízes em Portugal está em linha com a média europeia (19 por 100.00 habitantes) quando a jurisdição administrativa tem vegetado à míngua de juízes (dois por 100.000 habitantes).
Se a jurisdição for extinta, coeteris paribus, qual o espantoso sortilégio que terminaria com este défice de juízes ou que os faria trabalhar 48h por dia? Se este efeito vodu não ocorrer, não se vê de onde virá a poupança.
E nem se diga que os ganhos resultam de os litígios de Direito Público passarem a ser julgados pelos tribunais judiciais, mais eficientes. Na verdade, ocorreria o inverso: bibliotecas foram escritas demonstrando que os tribunais judiciais não são sucedâneos dos tribunais administrativos, muito menos sucedâneos eficientes. E a moderna expansão do Direito Público, inabarcável mesmo para os seus cultores e conduzindo à criação de juízos especializados nos tribunais administrativos, confirma a necessidade de investir cada vez mais na formação específica de juízes administrativos, única via para a resolução justa, eficaz e eficiente das lides juspublicísticas.
Por fim, o segundo argumento: a jurisdição administrativa funciona mal. Sim, funciona. Mas que as coisas melhorem pela extinção de algo que está a funcionar mal é assunção que desafia a racionalidade, entrando mais uma vez no domínio do pensamento mágico e da causalidade vodu.
Luís Fábrica, Professor da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa