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Musk e Zuckerberg: dois bons samaritanos?

Wednesday, January 29, 2025 - 10:27
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EXPRESSO

Se quiserem fazer negócio do lado de cá do Atlântico, X e Meta vão ter de dançar ao ritmo de outra música.

Para os oligarcas das redes sociais, como Musk e Zuckerberg, liberdade de expressão é o que lhes permite ganhar dinheiro. Quanto mais, mais. Pelo contrário, moderação de conteúdos é o que os faz perder dinheiro. Quanto mais, menos. É por isso que, sempre que lhes convém, a confundem deliberadamente com censura e se livram dela quando o ambiente é propício.

Musk e Zuckerberg: dois bons samaritnos?

Ainda que a invoquem mil vezes, estão-se rigorosamente nas tintas para a liberdade de expressão dos utilizadores das redes sociais que governam. Zuckerberg é pior do que Musk. Este, pelo menos, sempre disse ao que vinha, mesmo antes de comprar o Twitter por 44 mil milhões de dólares. Zuckerberg é um lobo com pele de cordeiro, porque, quando os ventos sopravam noutra direção, fazia não apenas moderação de conteúdos – com recurso a uma extensa rede de fact-checkers –, mas também policiamento de linguagem segundo padrões woke.

Estava a Internet a dar os primeiros passos, em 1996, quando o Congresso americano decidiu regular as plataformas digitais que então despontavam e estabeleceu uma regra legal que ainda hoje está em vigor: as plataformas não devem ser tratadas como autoras nem como editoras dos conteúdos produzidos e colocados em circulação pelos utilizadores. Se esses conteúdos forem ofensivos, ilegais ou causarem prejuízos a terceiros, as plataformas não podem ser responsabilizadas por isso. Apesar de serem elas que os disseminam, a responsabilidade permanece exclusivamente na esfera dos utilizadores.

Esta regra de isenção de responsabilidade ficou conhecida como a “cláusula do bom samaritano”, porque se acreditava ao tempo que quem ajudava os cidadãos a difundir as suas ideias e criações (ou a promover os seus negócios) nunca deveria ser penalizado por esse ato de generosidade.

Várias metáforas foram usadas para explicar o sentido desta cláusula. Por muito má que seja a notícia, não devemos descarregar a nossa ira no mensageiro. Se uma biblioteca tem nas suas estantes um livro racista, a nossa crítica não deve voltar-se contra o bibliotecário, mas sim contra o autor.

Por outro lado, esta cláusula – cujo texto jurídico se esgota em apenas 26 palavras – ficou também conhecida, por conta do título de um livro famoso, como “as 26 palavras que criaram a Internet”. Não a rede enquanto infraestrutura tecnológica, mas a Internet enquanto realidade sociológica e económica, omnipresente nas nossas vidas. Sem essas 26 palavrinhas mágicas, alinhadas pelo legislador americano, as plataformas digitais nunca se teriam desenvolvido à velocidade com que se desenvolveram e atingido a escala estratosférica que têm no presente.

Acontece que, em 1996, confiava-se de olhos fechados na velha teoria do “livre mercado das ideias”, segundo a qual as más ideias devem poder ser difundidas sem limitações porque, havendo condições para um debate aberto, as boas ideias vão acabar sempre por prevalecer. O drama é que, em 2025, após largos anos de experiência, em que as redes sociais se transformaram no principal espaço público de acesso à informação e de debate político, sabemos que as ideias com mais sucesso não são necessariamente as mais sólidas, fundamentadas e equilibradas. Bem pelo contrário, uma teoria da conspiração bem urdida suscita mais interesse e envolvimento do que um artigo de um prémio Nobel da economia.

A União Europeia, que durante muitos anos alinhou pelo paradigma regulatório americano, começou a afastar-se dele em 2016, com o Regulamento Geral de Proteção de Dados, e aprovou em 2022 o Regulamento dos Serviços Digitais, que pela primeira vez submete as redes sociais a um vasto conjunto de obrigações de diligência e transparência. Se quiserem fazer negócio do lado de cá do Atlântico, X e Meta têm de dançar ao ritmo de outra música.

Há muito que o Congresso americano também já se apercebeu que personagens como Musk e Zuckerberg não são propriamente bons samaritanos, que de forma generosa abrem as portas das suas redes à liberdade de expressão a milhões de pessoas. Mas aí a linguagem do poder (e do lobby) falou sempre mais alto. Os EUA têm nas GAFAM (Google, Amazon, Facebook, Apple e Microsoft) – empresas que inventaram um novo modelo económico, chamado “capitalismo de vigilância” – uma das armas mais poderosas na preparação da mãe de todas as batalhas: a guerra com a China pelo domínio da economia digital à escala mundial.

Jorge Pereira da Silva | Professor da Escola de Lisboa da Faculdade de Direito da Universidade Católica